Chamamos senso comum ao conhecimento adquirido por tradição, herdado dos antepassados e ao qual acrescentamos os resultados da experiência vivida na coletividade a que pertencemos. Trata-se de um conjunto de idéias que nos permite interpretar a realidade, bem como de um corpo de valores que nos ajuda a avaliar, julgar e portanto agir. O senso comum não é refletido e se encontra misturado a crenças e preconceitos. É um conhecimento ingênuo (não-crítico), fragmentário (porque difuso, assistemático e muitas vezes sujeito a incoerências), é conservador (resiste às mudanças). Com isso nao queremos desmerecer a forma de pensar do homem comum, mas apenas enfatizar que o primeiro estádio de conhecimento precisa ser superado em direção a uma abordagem critica e coerente, características estas que não precisam ser necessariamente atributos deformas mais requintadas de conhecer, tais como a ciência ou a filosofia. Em outras palavras, o senso comum precisa ser transformado em bom senso, este entendido como a elaboração coerente do saber e como explicitação das intenções conscientes dos indivíduos livres. Segundo o filósofo Gramsci, o bom senso é "o núcleo sadio do senso comum". Qualquer pessoa, não sendo vitima de doutrinação e dominação, e se for estimulada na capacidade de compreender e criticar, torna-se capaz de juizos sábios porque vitais, isto é, orientados para sua humanização.
Geralmente os obstáculos à passagem do senso comum ao bom senso resultam da exclusão do individuo das decisões importantes na comunidade em que vive. Em sociedades não-democráticas as informações não circulam igualmente em todas as camadas sociais e nem todos têm igual possibilidade de consumir e produzir cultura. No Brasil. por exemplo, um terço das crianças em idade escolar estão excluídas da educação, isso sem falar da pirâmide educacional segundo a qual os que tem acesso a escola abandonam o estudo no decorrer do processo, sendo mínima a porcentagem dos que atingem os níveis superiores de escolarização.
Não é só isso. Mesmo aqueles que frequentam escolas submetem-se à perversa divisão em que, para alguns, é reservada a formação humanística e científica, enquanto outros recebem apenas preparação técnica, mantendo-se a dicotomia trabalho intelectual/trabalho manual. Com isso é garantida a dominação daqueles que são obrigados a se ocupar apenas com o fazer.
A superação de tal estado de coisas decorre não só da democratização do acesso a escola e da negação da escola dualista (formação acadêmica versus formação técnica) como também depende da conquista de espaços possíveis de atuação nos sindicatos e nas organizações representativas dos mais diversos tipos.
No entanto, não são apenas os trabalhadores manuais que não têm conseguido passar do senso comum para o bom senso. Funcionários de empresas, empresários, especialistas de qualquer área, inclusive cientistas, podem estar restritos a formas fragmentárias do senso comum quando se acham presos a preconceitos, a concepções rígidas, quando sucumbem à ação massificante dos meios de comunicação de massa.
Outras vezes, renunciamos ao exercício do bom senso quando nos submetemos ao poder dos tecnocratas, seduzidos pelo "saber do especialista". Basta observar a timidez de decisão dos pais que, ao educarem os filhos, delegam poderes a psicólogos, pedagogos, pediatras. Não pretendemos, ao dizer isso, desvalorizar a contribuição tão importante da ciência, muito ao contrário! Apenas ressaltamos que o homem leigo não precisa permanecer passivo diante do saber do técnico, demitindo-se das ações que ele próprio poderia exercer. Ele tem o direito de informar-se ativamente a respeito do tratamento a que se acha submetido e dos seus efeitos. Em última análise, convém desmistificar a tendência de cultuar as pessoas "estudadas" em detrimento do homem "sem letras" ou simplesmente não especialista.
Qualquer homem, se não foi ferido em sua liberdade e dignidade, e se teve ocasião de desenvolver a habilidade crítica, será capaz de autoconsciência, de elaborar criticamente o próprio pensamento e de analisar adequadamente a situação em que vive.
É nesse estádio que o bom senso se aproxima da filosofia, da filosofia de vida. Podemos perceber que não é automática a passagem do senso comum ao bom senso, e um dos obstáculos ao processo se encontra na difusão da ideologia.
In: FILOSOFANDO, INTRODUÇÃO À FILOSOFIA. ARANHA, M. L. A e MARTINS, M. H. P. São Paulo: Moderna, 1993, 2.ed.Geralmente os obstáculos à passagem do senso comum ao bom senso resultam da exclusão do individuo das decisões importantes na comunidade em que vive. Em sociedades não-democráticas as informações não circulam igualmente em todas as camadas sociais e nem todos têm igual possibilidade de consumir e produzir cultura. No Brasil. por exemplo, um terço das crianças em idade escolar estão excluídas da educação, isso sem falar da pirâmide educacional segundo a qual os que tem acesso a escola abandonam o estudo no decorrer do processo, sendo mínima a porcentagem dos que atingem os níveis superiores de escolarização.
Não é só isso. Mesmo aqueles que frequentam escolas submetem-se à perversa divisão em que, para alguns, é reservada a formação humanística e científica, enquanto outros recebem apenas preparação técnica, mantendo-se a dicotomia trabalho intelectual/trabalho manual. Com isso é garantida a dominação daqueles que são obrigados a se ocupar apenas com o fazer.
A superação de tal estado de coisas decorre não só da democratização do acesso a escola e da negação da escola dualista (formação acadêmica versus formação técnica) como também depende da conquista de espaços possíveis de atuação nos sindicatos e nas organizações representativas dos mais diversos tipos.
No entanto, não são apenas os trabalhadores manuais que não têm conseguido passar do senso comum para o bom senso. Funcionários de empresas, empresários, especialistas de qualquer área, inclusive cientistas, podem estar restritos a formas fragmentárias do senso comum quando se acham presos a preconceitos, a concepções rígidas, quando sucumbem à ação massificante dos meios de comunicação de massa.
Outras vezes, renunciamos ao exercício do bom senso quando nos submetemos ao poder dos tecnocratas, seduzidos pelo "saber do especialista". Basta observar a timidez de decisão dos pais que, ao educarem os filhos, delegam poderes a psicólogos, pedagogos, pediatras. Não pretendemos, ao dizer isso, desvalorizar a contribuição tão importante da ciência, muito ao contrário! Apenas ressaltamos que o homem leigo não precisa permanecer passivo diante do saber do técnico, demitindo-se das ações que ele próprio poderia exercer. Ele tem o direito de informar-se ativamente a respeito do tratamento a que se acha submetido e dos seus efeitos. Em última análise, convém desmistificar a tendência de cultuar as pessoas "estudadas" em detrimento do homem "sem letras" ou simplesmente não especialista.
Qualquer homem, se não foi ferido em sua liberdade e dignidade, e se teve ocasião de desenvolver a habilidade crítica, será capaz de autoconsciência, de elaborar criticamente o próprio pensamento e de analisar adequadamente a situação em que vive.
É nesse estádio que o bom senso se aproxima da filosofia, da filosofia de vida. Podemos perceber que não é automática a passagem do senso comum ao bom senso, e um dos obstáculos ao processo se encontra na difusão da ideologia.